Hoje estávamos lendo a carta que Jeff Bezos escreveu aos seus acionistas no relatório anual da empresa de 2015, e achamos por bem falar um pouco sobre cultura: principalmente, sobre cultura em ambientes de alta performance. No relatório, que marca alguns importantes fatos da história da empresa (como o atendimento da marca de U$ 100 bilhões de faturamento, mas também um ano em que a cultura empresarial da Amazon foi intensamente discutida, no rastro de uma matéria publicada no New York Times, em que muitos funcionários e ex-funcionários criticaram a cultura às vezes excessivamente dura da empresa), Bezos discorre sobre a cultura da Amazon:
"A word about corporate cultures: for better or for worse, they are enduring, stable, hard to change. They can be a source of advantage or disadvantage. You can write down your corporate culture, but when you do so, you’re discovering it, uncovering it – not creating it. It is created slowly over time by the people and by events – by the stories of past success and failure that become a deep part of the company lore. If it’s a distinctive culture, it will fit certain people like a custom-made glove. The reason cultures are so stable in time is because people self-select. Someone energized by competitive zeal may select and be happy in one culture, while someone who loves to pioneer and invent may choose another. The world, thankfully, is full of many high-performing, highly distinctive corporate cultures. We never claim that our approach is the right one – just that it’s ours – and over the last two decades, we’ve collected a large group of like-minded people. Folks who find our approach energizing and meaningful. [1]"
O que achamos muito importante destacar, e que já tocamos algumas vezes, é o fato de Bezos não querer - por design - agradar a gregos e troianos, mas sim criar uma cultura forte e peculiar o suficiente para que poucas pessoas nela se sintam bem. Mas que as poucas que assim se sintam não pensem em trabalhar em outro lugar.
Marcel Telles, um dos fundadores da AB InBev que conhecemos hoje, e grande influenciador da cultura da empresa que presidiu por grande parte da década de 90, tem, não por coincidência, pensa de maneira muito parecida, como se pode ver em “entrevista” que deu a Roberto Setúbal para a Época Negócios:
"Não gosto muito de usar essa analogia, mas eu vejo assim como uma espécie de formação de Mariners. Não é todo mundo que gosta daquilo, daquele nível de exercício, de exigência, de quase dor. Mas quem gosta, gosta pra valer. Tem um orgulho imenso e provavelmente não trabalharia em outro lugar.[2]"
Por que não é coincidência? O que há de comum nas duas culturas, da AB InBev e Amazon? Ambas são duramente criticadas pelos funcionários que nelas não são bem-sucedidos. Ambas são extremamente bem-sucedidas, o que fica claro sob qualquer lente com a qual se possa analizá-las. E em ambas as empresas, quem fica e se dá bem na empresa gosta muito da sua cultura, e não pensa em trabalhar em outro lugar. São culturas-culto de alta-performance.
Grifamos de alta-performance, pois estamos em uma era de culturas que se dizem fortes e de alta-performance, mas que na verdade não o são. Há empresas que têm negócios tão, mas tão bons, que qualquer cultura dá grandes resultados. Há também muitos empresários que bradam o canto da cultura empresarial, mas em cujas empresas “cultura” não é muito mais do que alguns valores e muito endomarketing. É muito fácil bradar uma “cultura” forte com bicicletas elétricas, salas de descompressão, e comida à vontade. Isso não é sinônimo de cultura forte de alta-performance, que traz resultados incríveis no longo-prazo, funcionários apaixonados e dedicados, e que não vão largar o emprego para a próxima empresa que lhes oferecer pula-pulas e uma roda-gigante dentro do prédio.
Segundo Reed Hastings, fundador e CEO da Netflix, e conhecido por ter um culture code que serviu de inspiração para muitas outras empresas do Vale do Silício, a Netflix não é uma família, mas sim um time profissional. Em um time profissional, os líderes escolhem os melhores para serem titulares; em um time profissional, o feedback é dado de maneira respeitosa, mas sem rodeios; em um time profissional, há trabalho em equipe, sendo que cada um tem uma função clara no conjunto.
Jim Collins, um dos maiores gurus empresariais dos últimos anos, e suspeitosamente tido como “o novo Peter Drucker”, criou o termo cultura-culto, que parece descrever, de certa maneira, o que aqui tratamos:
"Build a cult-like culture: Architects of visionary companies don’t just trust in good intentions or “values statements;” they build cult-like cultures around their core ideologies. Walt Disney created an entire language to reinforce his company's ideology. Disneyland employees are “cast members.” Customers are “guests.” Jobs are “parts” in a “performance.” Disney required—as the company does to this day—that all new employees go through a “Disney Traditions” orientation course, in which they learn the company's business is “to make people happy.”
Apesar de sermos mais fãs de ouvir conselhos de quem vem das trincheiras, não há como negar que Collins descreve de maneira interessante a importância da cultura-culto. Ela serve a poucos, mas a estes não há alternativa melhor. Ela é alinhada com os objetivos estratégicos da empresa: no caso da Disney, ou da Zappos, isso significa um serviço incrível ao cliente. No caso da Amazon e AB InBev, tem mais a ver com cultura de dono e frugalidade. Isso nos leva a uma última menção honrosa de cultura empresarial que sem dúvida deve ser estudada por todo e qualquer empresário interessado em cultura: A Bridgewater Associates, firma de investimentos baseada nos EUA e fundada por Ray Dalio.
A cultura da Bridgewater, sumariada em um livro de mais de 100 páginas denominado de Principles, é talvez uma das mais intensas e polêmicas de que se tem notícia. Na empresa, todas as reuniões são gravadas em vídeo, e ‘tageadas’ com os nomes dos participantes e de pessoas que tenham sido mencionadas, para que todos possam consultar tais vídeos no futuro. Tudo tem de ser dito ’na cara’, sem rodeios - mas com todo o respeito - em busca das melhores idéias. A cultura é tão intensa que 25% dos recém-contratados, que passam por um processo seletivo árduo, que obviamente já faz um pente finíssimo, deixam a empresa nos primeiros 18 meses de emprego. Mas quem fica, você já pode imaginar: trabalha na empresa por anos e anos feliz. Nas palavras de Dalio,
“I think the most important think for any group of people working together is the culture. Culture is the values that that group of people has and how they work together on a daily basis to live out those values… That was the basis of the company’s success in the past, and will be the basis of the company’s success in the future… At Bridgewater, our most important value is transparency… Most people have a hard time confronting their weaknesses in a really straightforward, evidence-based way. They also have problems speaking frankly to others. Some people love knowing about their weaknesses and mistakes and those of others because it helps them be so much better, while others can't stand it. So we end up with a lot of people who leave quickly and a lot of people who wouldn't want to work anywhere else.[4]"
O que você, CEO, gestor de RH, ou empresário, pode aprender com tudo isso? Que cultura é mais do que um conjunto de valores escritos em papéis bonitos e postados na parede. Eles devem sim ser reforçados de todas as maneiras possíveis, inclusive nas paredes, mas devem ser praticados de maneira feroz. Devem ser requisito básico de avanço na empresa. Devem ser avaliados constantemente no desenvolvimento dos funcionários. Devem suportar a estratégia de longo-prazo da empresa, e seus diferenciais competitivos. Mas muito importante: deve desagradar a muitos, mas agradar muito a poucos. Deve atrair ‘poucos e bons’, que não troquem a empresa por nada. Devem ser cultos, não no sentido de devoção irracional a uma causa, mas sim de devoção racional a um modo de trabalho.
Ajudar empresas a criarem culturas culto de alta performance é o nosso grande sonho na Qulture.Rocks.
Abraço,
Kiko e Time